Pelo jeito, não é apenas o marido José Serra que tem mil caras. Também sua senhora parece colecioná-las às fartas.

Logo no início da campanha deste ano narrei aqui, neste blogue, e pelo Twitter, o que me aconteceu na primeira panfletagem que fiz em Capivari, nestas eleições. Estava eu distribuindo panfletos quando surgiu uma tia querida, pessoa excelente, mas que beira ao fanatismo fundamentalista religioso. Ela recusou um panfleto da Dilma e logo me disse “ela vai matar as criancinhas!”

Não entendi – o assunto ainda não havia alcançado tamanha proporção – e fiquei a imaginar uma guerrilheira terrorista, metralhadora à mão, exterminando infantes, algo um pouco mais sofisticado do que teria sido feito por ordem de Herodes, no surgimento da era cristã. Logo em seguida ela desandou a falar de uma carta da CNBB sobre Dilma e o aborto e aí “caiu a ficha“. Discutimos em plena rua, depois ela me ligou, pediu desculpas etc.

Mais de um mês após esse acontecimento eu leio, assombrado, o diálogo que Mônica Serra teve com um vendedor ambulante do Rio de Janeiro, um senhor de setenta anos que disse que votaria em Dilma. A mesma expressão, os mesmos termos usados por minha tia. Parecia até que a mulher do Serra tivesse lido meu relato! Mal sabia eu que o assunto corroía a candidatura Dilma pelas vias subterrâneas!

Assombro maior tive quando li, no jornal Correio do Brasil, a notícia de que a própria senhora José Serra – pasmem! – praticou um aborto, ao tempo em que o marido vivia no exílio. A informação já havia circulado pelo Twitter, mas os próprios tuiteiros tiveram o cuidado de não espalhar, porque parecia boato, e boato “plantado” para em seguida jogar a responsabilidade sobre a campanha da Dilma, algo do tipo “estão atacando minha família“.

Mas aí veio o jornal mencionado, do Rio de Janeiro (leia aqui), trazendo confirmações de ex-alunas da senhora Serra acerca do relato que ela fez em sala de aula.

Se ela fez ou não fez aborto, isso é problema que não nos diz respeito. É coisa dela para consigo mesma, para ser examinada por sua própria consciência. O que chama a atenção, no caso, é a “cara-de-pau” – para ser bem suave – de, em público, “condenar” Dilma e dizer que a candidata do PT seria a favor de “matar criancinhas“. Esssa  imagem é muito forte e só a indignação que eu senti quando ouvi essa bobagem da boca de minha própria tia é que me dá a exata dimensão do que estou afirmando.

E o pior é que, conhecendo o PT como conheço, o partido não vai usar esse fato na propaganda da nossa candidata. Enfim, Dilma pode acabar perdendo simplesmente porque seria “a favor” do aborto, quando a esposa do adversário foi quem praticou essa conduta. E quando ele próprio foi quem, como ministro da saúde – acertadamente -, passou a tratar o aborto como questão de saúde pública, proporcionando atendimento pelo SUS nos casos permitidos pela lei (que é de 1940). Suprema e trágica ironia!